
O depoimento da influenciadora digital Virginia Fonseca perante a Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI das Bets, ocorrido em 13 de maio de 2025, representou um momento emblemático no esforço legislativo para compreender e regular o crescente e, por vezes, nebuloso mercado de apostas online no Brasil.
Convocada na condição de testemunha, a empresária, que ostenta dezenas de milhões de seguidores em suas plataformas, foi instada a esclarecer seu papel na promoção dessas atividades, os contornos de seus contratos publicitários e sua percepção sobre a responsabilidade social inerente à sua massiva influência.
Sob a ótica de um profissional do direito com mais de uma década de experiência, a sessão, embora tenha trazido algumas informações à luz, deixou uma série de questionamentos relevantes sem a devida profundidade na CPI das Bets, revelando tanto a complexidade do tema quanto as possíveis fragilidades na responsabilização de atores centrais nesse ecossistema digital.
As respostas apresentadas na CPI das Bets
Entre a Legalidade Contratual e a Responsabilidade Diluída Durante as mais de três horas de oitiva, Virginia Fonseca buscou defender a legalidade de suas ações.
Negou veementemente a existência da infame “cláusula da desgraça” em seus contratos com casas de apostas como a Esportes da Sorte, que vincularia sua remuneração às perdas dos apostadores.
Em vez disso, mencionou uma bonificação condicionada a dobrar o lucro da empresa, meta que alegou jamais ter sido alcançada. Afirmou, ainda, seguir as diretrizes do Conar, incluindo alertas sobre os riscos das apostas, a proibição para menores e a necessidade de jogo responsável.
Esclareceu também que as apostas demonstradas em seus vídeos promocionais eram realizadas com contas fornecidas pelas próprias empresas, e não com seu dinheiro pessoal, embora utilizando o mesmo aplicativo acessível ao público.
Arrependimento ou continuidade dessas parcerias?
Quando confrontada pela CPI das Bets, com a questão do arrependimento ou da continuidade dessas parcerias, a influenciadora adotou uma postura de reflexão futura, declarando não se arrepender de suas ações passadas, mas que “pensaria” sobre o assunto.
Talvez o ponto mais sensível de suas declarações tenha sido ao abordar o impacto financeiro negativo sobre seguidores, onde se eximiu de qualquer capacidade de intervenção, resumindo a situação a um lacônico “aí, tá complicado”.
A afirmação de que “não ficou milionária com bets“, embora enfática, careceu de uma contextualização financeira que permitisse à CPI das Bets dimensionar a relevância dessa fonte de renda em seu vasto império digital.
As lacunas evidentes
O que permaneceu nas sombras do depoimento analisando pela CPI das Bets? O depoimento com um olhar jurídico crítico! Diversas lacunas e pontos de aprofundamento se fizeram notar.
A ausência de um escrutínio mais detalhado sobre a integralidade dos mecanismos de remuneração variável é uma delas. A negativa da “cláusula da desgraça” e a menção a um bônus por lucro dobrado podem não esgotar as possibilidades contratuais que incentivam a promoção massiva.
Existiriam outras métricas, como volume de cadastros ou engajamento, que indiretamente beneficiariam a influenciadora com base na expansão da base de apostadores? Outro ponto crucial reside na diligência prévia (due diligence) para com as plataformas promovidas.
Não ficou claro qual o nível de verificação empreendido por Virginia ou sua equipe acerca da regularidade, licenciamento internacional e políticas efetivas de jogo responsável das empresas contratantes.
A mera replicação de “disclaimers” genéricos pode não satisfazer o dever de cuidado esperado de quem empresta sua credibilidade a um serviço de risco.
A natureza das “contas fornecidas pelas empresas” para demonstração também merecia maior escrutínio. Eram contas com dinheiro fictício?
As probabilidades de ganho poderiam ser manipuladas para criar uma falsa impressão de facilidade? A transparência para com o público sobre a origem dos fundos utilizados nas demonstrações é um aspecto fundamental da publicidade ética.
Ademais, a questão da verificação da idade dos seguidores expostos a essa publicidade permaneceu superficial. Quais mecanismos efetivos, para além de avisos, foram empregados para blindar o público infanto-juvenil, sabidamente presente em suas redes?
A resposta sobre a incapacidade de auxiliar seguidores endividados, embora factualmente compreensível em termos de ação individual, soa como uma tentativa de dissociar a influência da responsabilidade.
A promoção de uma atividade com alto potencial viciante por uma figura de tamanha projeção convoca uma reflexão mais profunda sobre o dever ético e social que transcende as cláusulas contratuais.
Finalmente, a transparência sobre a natureza publicitária de todo o conteúdo promocional também é um ponto que, embora tangenciado, poderia ser mais explorado. A linha entre entretenimento e publicidade paga, no universo dos influenciadores, é frequentemente tênue, e a clareza absoluta é um imperativo legal e ético.
Conclusão preliminar da CPI das Bets

Um chamado à Reflexão e à Ação Regulatória O depoimento de Virginia Fonseca à CPI das Bets, ao mesmo tempo em que buscou afastar irregularidades diretas, inadvertidamente sublinhou a complexa teia de relações contratuais, a amplitude da influência digital e as potenciais vulnerabilidades dos consumidores no mercado de apostas online.
As respostas fornecidas, embora por vezes assertivas, não foram suficientes para dissipar todas as preocupações sobre a diligência, a transparência e a responsabilidade social dos grandes influenciadores na promoção de jogos de azar.
As lacunas deixadas abrem um vasto campo para que a CPI das Bets aprofunde suas investigações e, crucialmente, para que o legislador e os órgãos reguladores avancem na construção de um arcabouço normativo mais robusto e eficaz, capaz de proteger os cidadãos sem cercear indevidamente a atividade econômica lícita.
A era digital exige não apenas influenciadores conscientes, mas também uma regulação atenta e adaptativa.