
O parecer jurídico acerca do depoimento da influenciadora digital Virginia Fonseca perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, com foco nas questões não abordadas, nas implicações legais de suas declarações e nas responsabilidades emergentes no contexto da publicidade de jogos de apostas online.
O presente parecer tem como escopo analisar, sob uma perspectiva jurídica, o depoimento prestado pela Sra. Virginia Fonseca à Comissão Parlamentar de Inquérito das Bets em 13 de maio de 2025.
A análise se debruçará sobre as informações fornecidas, as omissões percebidas e as implicações legais decorrentes, especialmente no que tange à responsabilidade civil de influenciadores digitais, à proteção do consumidor e à conformidade com o ordenamento jurídico pátrio, incluindo o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e o Marco Legal das Bets (Lei nº 14.790/2023).
Pontos críticos e questões não suficientemente esclarecidas no depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito
Com base na análise do depoimento e nas informações publicamente disponíveis, identificam-se os seguintes tópicos que demandariam maior aprofundamento ou que não foram satisfatoriamente elucidados pela depoente:
1. Natureza Detalhada da Remuneração Contratual
A negativa da “cláusula da desgraça” e a menção a um bônus por “dobrar o lucro” da empresa de apostas são informações relevantes, porém insuficientes para afastar por completo a possibilidade de outros mecanismos de remuneração variável atrelados ao desempenho da plataforma promovida (e.g., volume de cadastros, depósitos iniciais via seu link, etc.).
A ausência de detalhamento sobre a estrutura remuneratória completa impede uma análise cabal sobre eventuais conflitos de interesse.
2. Diligência Prévia (Due Diligence) na Contratação
Não foram apresentados elementos concretos que demonstrem a realização de uma investigação prévia satisfatória (due diligence) por parte da influenciadora ou de sua equipe sobre a regularidade, licenciamento e práticas de jogo responsável das plataformas de apostas contratantes.
A responsabilidade do anunciante não se exaure na simples veiculação, mas abrange um dever de cuidado na escolha do que se promove.
3. Comissão Parlamentar de Inquérito: Transparência e Funcionamento das “Contas Demo”:
A utilização de “contas fornecidas pelas empresas” para demonstração de jogos levanta questionamentos sobre a autenticidade da experiência apresentada aos seguidores.
Era explicitado que não se tratava de fundos próprios? As probabilidades de ganho nessas contas eram idênticas às das contas de usuários comuns? A omissão dessas informações pode configurar indução a erro.
4. Alcance e Efetividade dos Alertas de Jogo Responsável e Restrição a Menores
Embora alegue ter incluído alertas, a efetividade e proeminência desses avisos, frente ao poder de persuasão da imagem e do discurso da influenciadora, são questionáveis.
Não foram detalhados mecanismos técnicos ou contratuais para efetivamente restringir o acesso de menores à publicidade ou às plataformas através de seus canais.
5. Quantificação da Relevância da Receita de Bets
A afirmação de que “não ficou milionária com bets” é genérica. Uma análise mais precisa sobre o percentual que essa fonte de renda representou em seu faturamento total durante os períodos contratuais seria relevante para dimensionar o interesse econômico envolvido.
6. Responsabilidade Social e Ética
A postura de aparente isenção quanto aos impactos negativos da atividade nos seguidores (“não tenho poder de fazer nada”) destoa da responsabilidade social esperada de figuras públicas com tamanho alcance, especialmente ao promoverem atividades de risco.
Implicações jurídicas relevantes
A seguir, veja as implicações jurídicas relevantes:
1. Responsabilidade Civil do Influenciador (Art. 37, CDC e Arts. 186 e 927, Código Civil)
O influenciador digital, ao realizar publicidade, pode ser responsabilizado por danos causados aos consumidores caso a publicidade seja enganosa ou abusiva. A omissão de informações essenciais ou a promoção de serviços sem a devida diligência podem configurar ato ilícito.
A responsabilidade pode ser solidária com a empresa de apostas, caso se configure uma cadeia de fornecimento na relação publicitária.
2. Publicidade Enganosa ou Abusiva (Art. 37, §§ 1º, 2º e 3º, CDC)
A falta de clareza sobre o funcionamento das “contas demo”, a ausência de alertas suficientemente ostensivos e eficazes sobre os riscos e a não divulgação transparente da natureza publicitária do conteúdo podem caracterizar publicidade enganosa (por comissão ou omissão) ou abusiva (especialmente se direcionada a vulneráveis ou se explorar a ingenuidade).
3. Dever de Informação e Transparência (Arts. 6º, III, e 31, CDC)
O consumidor tem direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços. A publicidade de bets deve ser transparente quanto aos riscos, à natureza do jogo e à identificação da própria publicidade como tal.
4. Proteção Contratual e Nulidade de Cláusulas Abusivas (Art. 51, CDC)
Eventuais cláusulas contratuais que incentivem a promoção irresponsável ou que atrelem a remuneração do influenciador de forma direta e exclusiva às perdas dos apostadores poderiam ser consideradas abusivas e, portanto, nulas.
5. Conformidade com o Marco Legal das Bets (Lei nº 14.790/2023)
A referida lei estabelece diretrizes para a exploração de apostas de quota fixa, incluindo regras sobre publicidade, que devem visar à informação, à prevenção ao transtorno do jogo patológico e à proteção de menores e outros grupos vulneráveis.
As práticas publicitárias de influenciadores devem se alinhar a esses princípios, sob pena de irregularidade.
Recomendações e considerações finais do parecer da Comissão Parlamentar de Inquérito
Diante do exposto, e na perspectiva de contribuir com os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito e com o aprimoramento da regulação do setor, sugere-se:
1. Aprofundamento Investigativo:
Que a Comissão Parlamentar de Inquérito busque, por meio dos documentos contratuais entregues (e outros que se fizerem necessários), esclarecer em definitivo a integralidade dos mecanismos de remuneração dos influenciadores contratados por casas de apostas.
2. Propostas Legislativas/Regulatórias:
Estabelecimento de deveres claros de due diligence para influenciadores digitais antes de promoverem serviços de risco, como apostas online.
Criação de normas específicas sobre a transparência na publicidade de jogos de azar por influenciadores, incluindo a obrigatoriedade de alertas padronizados, ostensivos e com informações sobre os riscos de dependência e perda financeira, bem como a clara identificação da natureza publicitária.
Exigência de mecanismos efetivos de restrição de acesso de menores de idade ao conteúdo publicitário de apostas em plataformas digitais.

Vedação explícita de qualquer forma de remuneração a influenciadores que seja direta ou indiretamente atrelada às perdas dos apostadores.
Reforço da fiscalização sobre as plataformas de apostas quanto ao cumprimento das normas de publicidade e jogo responsável, responsabilizando-as solidariamente por práticas abusivas de seus promotores.
3. Conscientização e Educação
Fomento a campanhas de conscientização sobre os riscos do jogo patológico e sobre os direitos dos consumidores no âmbito das apostas online.
O depoimento da Sra. Virginia Fonseca à Comissão Parlamentar de Inquérito, embora tenha trazido alguns esclarecimentos, majoritariamente reforçou a necessidade de um olhar atento e regulador sobre a atuação dos influenciadores digitais na promoção de atividades de risco, visando à proteção da sociedade, em especial dos mais vulneráveis.