
O depoimento do influenciador Rico Melquiades perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, ocorrido em 14 de maio de 2025, representa um capítulo emblemático na investigação legislativa sobre o crescente e controverso mercado de apostas online no Brasil.
Com mais de dez milhões de seguidores e um histórico de promoção ativa de plataformas de apostas, incluindo uma da qual se autointitula “embaixador” e que opera sob liminar judicial, o influenciador foi convocado para esclarecer seu papel na divulgação dessas atividades, os termos de seus contratos publicitários e sua percepção sobre a responsabilidade social inerente à sua influência massiva.
Sob a perspectiva de um profissional do direito com mais de uma década de experiência, a sessão, marcada por negativas categóricas, invocações ao direito ao silêncio e até mesmo pela demonstração ao vivo do controverso “Jogo do Tigrinho”, evidenciou não apenas as complexidades do tema, mas também as lacunas regulatórias que permitem a operação de um mercado potencialmente nocivo sem a devida supervisão estatal.
As respostas apresentadas
Entre negativas categóricas e silêncios estratégicos durante seu depoimento, influenciador Rico Melquiades adotou uma postura defensiva, negando veementemente o uso de “contas demo”, contas fornecidas pelas plataformas que simulam ganhos fictícios para atrair apostadores.
Afirmou utilizar contas pessoais nas divulgações, embora tenha admitido que as empresas contratantes forneciam “login e senha” para acesso.
Negou também a existência da chamada “cláusula da desgraça” em seus contratos, que vincularia sua remuneração às perdas dos apostadores, declarando receber um valor fixo da empresa Blaze, independentemente do comportamento dos usuários atraídos por sua publicidade.
Quando questionado sobre sua consciência do impacto de suas divulgações na vida das pessoas e no desenvolvimento de vícios em apostas, o influenciador declarou “não ter noção” desse impacto e afirmou desconhecer seguidores que tenham desenvolvido compulsão por apostas.
Sustentou que “sempre” alerta seus seguidores sobre os riscos das bets, a necessidade de apostar de forma responsável e a exigência de maioridade para jogar, além de nunca mostrar “ganhos exorbitantes” ou prometer enriquecimento fácil.
Contudo, em momentos cruciais do depoimento, como quando questionado sobre os valores recebidos pela divulgação das casas de apostas, influenciador Rico Melquiades recorreu ao direito de permanecer em silêncio, amparado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Essa opção pelo silêncio em pontos financeiros específicos, embora legalmente amparada, deixou uma sombra sobre a transparência de suas relações comerciais com as plataformas de apostas.
Talvez o momento mais emblemático da sessão tenha sido quando o influenciador, aparentemente a pedido ou em interação com senadores, demonstrou como apostar no “Jogo do Tigrinho”, um dos jogos de azar online mais populares e controversos.
Segundo relatos da imprensa, teria declarado “Já joguei, ganhei e não quero mais jogar” ao recusar pedido para mudar de jogo, em uma cena que, ironicamente, reproduzia no ambiente legislativo exatamente o tipo de promoção que a CPI busca investigar e regular.
As Lacunas Evidentes O Não Dito como Evidência da Necessidade Regulatória
A análise crítica do depoimento revela diversas lacunas significativas que, por sua própria existência, sublinham a urgência de uma regulamentação robusta para o setor. A ausência de transparência contratual e financeira detalhada é gritante.
Apesar de negar a “cláusula da desgraça” e afirmar receber um valor fixo, o silêncio sobre os valores exatos e a estrutura completa de remuneração, incluindo possíveis bônus indiretos ou outras formas de compensação atreladas ao engajamento ou volume de novos usuários, impede uma compreensão clara dos incentivos econômicos que movem a promoção de apostas por influenciadores.
Igualmente preocupante é a falta de esclarecimentos sobre a diligência prévia (due diligence) realizada pelo influenciador antes de se associar às plataformas.
Influenciador rico Melquiades admitiu ser embaixador de uma casa de apostas que opera sem autorização direta do Ministério da Fazenda, baseando-se apenas em uma liminar judicial. Não foram apresentados detalhes sobre o processo de verificação da legalidade, idoneidade e conformidade com práticas de jogo responsável das empresas com as quais se associou.
A simples negativa de “envolvimento direto” com irregularidades soa insuficiente diante da magnitude de sua influência e da seriedade das questões em jogo. A efetividade e os padrões dos alertas de jogo responsável que o influenciador afirma “sempre” incluir também permaneceram nebulosos.
Não houve um aprofundamento sobre a forma, frequência, destaque visual/sonoro e o conteúdo específico desses alertas em suas publicações.
A mera menção genérica não comprova a eficácia comunicacional de tais avisos frente ao apelo persuasivo da publicidade, especialmente quando direcionada a um público jovem e potencialmente vulnerável.
A declaração de “não ter noção do impacto das divulgações” e de não conhecer seguidores com problemas de vício soa como uma isenção de responsabilidade social incompatível com o alcance de sua influência.
Não foram questionados ou apresentados quaisquer mecanismos proativos por parte do influenciador para identificar ou encaminhar seguidores que demonstrem comportamento de risco ou relatem problemas com as apostas promovidas.
Essa aparente desconexão entre o poder de influência e a responsabilidade social correspondente é um sintoma claro da ausência de parâmetros regulatórios que estabeleçam deveres claros para os promotores de jogos de azar.
A origem dos fundos nas “contas pessoais” que Influenciador rico Melquiades afirma utilizar para suas demonstrações também permaneceu obscura. Não ficou claro se os recursos utilizados nessas demonstrações eram integralmente próprios ou se havia algum tipo de crédito ou subsídio fornecido pelas casas de apostas.
Se os fundos não fossem exclusivamente do influenciador e sujeitos a perdas reais por ele, a demonstração poderia não refletir uma experiência de aposta genuína, potencialmente induzindo seus seguidores a uma percepção distorcida das chances de ganho.
As implicações da investigação policial em Alagoas (Operação Game Over 2), que levou à apreensão de bens e bloqueio de contas do influenciador em janeiro de 2025, também não foram suficientemente exploradas.
Embora o sigilo judicial tenha sido invocado, a CPI poderia ter investigado, dentro dos limites legais, o contexto geral que levou à investigação.
O fato de um influenciador de grande alcance, como o influenciador Rico Melquiades, ser alvo de uma operação policial por supostamente promover jogos ilegais é um forte indicativo dos riscos presentes no mercado não regulado ou insuficientemente fiscalizado.
Por fim, a própria demonstração do “Jogo do Tigrinho” durante a sessão da CPI, sem um questionamento aprofundado sobre a adequação e a mensagem transmitida por tal ato, ilustra a banalização do risco inerente às apostas.
A naturalização e a gamificação da publicidade de jogos de azar, especialmente por figuras de grande apelo popular, são fenômenos que demandam atenção regulatória urgente.
O Caso influenciador Rico Melquiades como Microcosmo da Necessidade Regulatória
O depoimento do influenciador Rico Melquiades à CPI das Bets, com suas respostas evasivas, silêncios estratégicos e demonstrações problemáticas, funciona como um microcosmo que espelha as fragilidades do atual cenário regulatório das apostas online no Brasil.
As lacunas identificadas não são meras curiosidades investigativas, mas sim sintomas de um sistema que permite a operação de um mercado potencialmente nocivo sem a devida supervisão, transparência e responsabilização.
A ausência de parâmetros claros para a publicidade de apostas por influenciadores como influenciador Rico Melquiades, a falta de mecanismos efetivos para proteção de consumidores vulneráveis, a opacidade nas relações contratuais entre plataformas e promotores, e a dificuldade em rastrear fluxos financeiros no setor são todos problemas que clamam por uma intervenção legislativa robusta e abrangente.

O caso específico do influenciador Rico Melquiades, um influenciador investigado pela polícia, que se declara embaixador de uma plataforma operando sob liminar, que demonstra jogos controversos em plena CPI e que alega desconhecer o impacto de suas ações.
Este é um poderoso argumento em favor da urgente implementação de um marco regulatório que traga ordem, transparência e responsabilidade a um setor que hoje opera nas sombras da legalidade e da ética.
A regulamentação não deve ser vista como um entrave à atividade econômica legítima, mas sim como uma garantia de que essa atividade ocorra dentro de parâmetros que protejam os cidadãos, especialmente os mais vulneráveis, e que assegurem a integridade do sistema financeiro e tributário nacional.
O depoimento do influenciador Rico Melquiades analisado, em suas palavras e silêncios, é um testemunho eloquente dessa necessidade.