
Parecer jurídico acerca do depoimento do influenciador digital Rico Melquiades perante a CPI das Bets, ocorrido em 14 de maio de 2025, com ênfase nas lacunas de informação, nas implicações legais de suas declarações (e omissões) e na demonstração da urgente necessidade de implementação de um marco regulatório robusto para as apostas esportivas online e a publicidade correlata no Brasil.
O O presente parecer visa analisar, sob uma perspectiva jurídica e com viés favorável à regulamentação, o depoimento prestado pelo Sr. Rico Melquiades à CPI das Bets.
O depoimento, marcado por negativas, silêncios estratégicos e uma aparente minimização dos riscos associados à atividade promovida, serve como um estudo de caso eloquente que sublinha as fragilidades do atual vácuo regulatório e a imperiosa necessidade de intervenção legislativa para proteger os consumidores.
Garantir a integridade do mercado e assegurar a responsabilidade dos diversos atores envolvidos, incluindo plataformas de apostas e influenciadores digitais deve ser prioridade.
Pontos críticos do Depoimento de Rico Melquiades que evidenciam a necessidade de regulamentação
As declarações e omissões do depoente, quando confrontadas com os princípios do direito do consumidor e a lógica da responsabilidade social, demonstram claramente por que a autorregulação é insuficiente e uma legislação específica é indispensável.
Falta de Transparência Contratual e Financeira
O depoente, Rico Melquiades, invocou o direito ao silêncio sobre os valores recebidos e não detalhou a integralidade dos mecanismos de remuneração, limitando-se a negar a “cláusula da desgraça” e afirmar um “valor fixo”.
Argumento Pró-Regulamentação
A opacidade nas relações financeiras entre influenciadores como Rico Melquiades e casas de apostas impede a fiscalização e a identificação de conflitos de interesse que podem levar à promoção irresponsável.
A regulamentação deve impor a obrigatoriedade de transparência total nos contratos de publicidade de apostas, incluindo o registro e a divulgação dos valores e de todas as formas de remuneração, para coibir práticas predatórias e garantir a lisura do mercado.
Diligência Prévia (Due Diligence) Insuficiente ou Não Comprovada
O depoente, Rico Melquiades admitiu ser “embaixador” de plataforma operando sob liminar, sem detalhar o processo de verificação da legalidade e idoneidade da contratante.
Argumento Pró-Regulamentação
A ausência de um dever legal de due diligence permite que influenciadores, conscientemente ou não, emprestem sua credibilidade a operadores potencialmente irregulares ou que não adotam práticas de jogo responsável.
A legislação deve estabelecer um dever claro de diligência para influenciadores como Rico Melquiades e suas agências, responsabilizando-os pela promoção de plataformas não licenciadas ou que comprovadamente lesem consumidores, fortalecendo a proteção do público.
Alertas de Jogo Responsável
Questionável Efetividade e Ausência de Padronização: A alegação genérica de “sempre” incluir alertas, sem detalhamento sobre forma, conteúdo e destaque, não garante sua eficácia comunicacional.
A publicidade de produtos de risco exige alertas padronizados, claros, ostensivos e baseados em evidências científicas sobre seus impactos.
A regulamentação do setor de apostas deve, obrigatoriamente, definir o conteúdo, formato, frequência e proeminência dos alertas de jogo responsável em todas as peças publicitárias, incluindo as veiculadas por influenciadores, de modo a garantir que a informação sobre os riscos chegue efetivamente ao consumidor.
Minimização da Responsabilidade Social e do Impacto da Influência
A declaração de Rico Melquiades de “não ter noção do impacto” e desconhecer seguidores com problemas de vício demonstra uma perigosa dissociação entre o poder de influência e a responsabilidade social.
Argumento Pró-Regulamentação
Influenciadores com milhões de seguidores exercem um poder significativo sobre as decisões de consumo de seu público.
A legislação precisa reconhecer essa realidade e imputar um grau de responsabilidade social aos grandes promotores de jogos de azar, incentivando ou obrigando a adoção de códigos de conduta, a colaboração com programas de prevenção ao vício e a criação de canais para denúncias de práticas abusivas.
Opacidade na Demonstração de Jogos e Potencial Indução a Erro
A negativa de uso de “contas demo” com a afirmação de uso de “contas pessoais”, sem esclarecer a origem dos fundos, e a própria demonstração do “Jogo do Tigrinho” na CPI, levantam sérias questões sobre a autenticidade da experiência apresentada e a banalização do risco.
Argumento Pró-Regulamentação
A publicidade de apostas deve ser absolutamente transparente e não pode induzir o consumidor a erro sobre as reais chances de ganho ou a natureza do jogo.
A regulamentação deve proibir demonstrações que não reflitam a experiência real de um apostador comum, exigir clareza sobre a origem dos fundos utilizados em exibições e coibir qualquer forma de publicidade que normalize ou minimize os riscos inerentes aos jogos de azar.
Operação Policial e Indícios de Irregularidades no Mercado
O fato de Rico Melquiades ser investigado pela polícia por suposta promoção de jogos ilegais (Operação Game Over 2) é um sintoma grave dos problemas existentes.

Argumento Pró-Regulamentação:
A existência de investigações policiais contra grandes influenciadores por promoção de jogos ilegais é a prova cabal de que o mercado, sem a devida regulamentação e fiscalização, torna-se um terreno fértil para atividades ilícitas e lesivas ao consumidor.
Uma legislação rigorosa, com mecanismos de licenciamento, fiscalização contínua e sanções severas para operadores e promotores ilegais, é fundamental para depurar o setor e proteger a sociedade.
Fundamentos jurídicos para a regulamentação
A necessidade de regulamentação encontra amparo em diversos dispositivos e princípios do ordenamento jurídico brasileiro.
Proteção ao Consumidor (Art. 5º, XXXII, e Art. 170, V, da Constituição Federal; Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90):
O Estado tem o dever de proteger o consumidor, parte vulnerável na relação de consumo, contra práticas abusivas e publicidade enganosa.
Ordem Econômica e Livre Concorrência (Art. 170 da CF)
A regulamentação visa a coibir a concorrência desleal por parte de operadores ilegais e a garantir um ambiente de negócios mais justo e transparente.
Saúde Pública (Art. 196 da CF)
O vício em jogos é reconhecido como um problema de saúde pública (jogo patológico), e o Estado deve atuar preventivamente.
Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Crime Organizado
Um mercado de apostas não regulado ou mal regulado pode ser utilizado para fins ilícitos. A Lei nº 14.790/2023 (Marco Legal das Bets) já aponta nessa direção, mas sua efetiva implementação e detalhamento são cruciais.
Conclusão do depoimento de Rico Melquiades e recomendação
O depoimento de Rico Melquiades, com suas evasivas e a demonstração da fragilidade da autorregulação e da fiscalização atual, serve como um contundente argumento em favor da urgente e robusta regulamentação do setor de apostas online e da publicidade realizada por influenciadores digitais.
Recomenda-se, portanto, que esta CPI, ao final de seus trabalhos, proponha medidas legislativas e regulatórias que contemplem, no mínimo:
- 1. Licenciamento rigoroso para operadores de apostas.
- 2. Regras claras e estritas para a publicidade, com foco na proteção de vulneráveis e na transparência.
- 3. Deveres de due diligence e responsabilidade civil para influenciadores e agências de publicidade.
- 4. Mecanismos efetivos de fiscalização e sanção para coibir práticas ilegais e abusivas.
- 5. Políticas de promoção do jogo responsável e de prevenção e tratamento do jogo patológico.
A omissão do Estado em regular adequadamente este setor representa um risco à economia popular, à saúde pública e à integridade do mercado. O momento para agir é agora, e o depoimento de Rico Melquiades analisado oferece vastos subsídios para justificar essa ação.